quarta-feira, novembro 29, 2006

Domingo, Novembro 26, 2006















O homem em eclipse
Ora foi que certo dia
o homem eclipsou-se
a data digam a data
a datazinha faz favor
qual data foi por decreto
que a gente se eclipsou
foi só manobra espertice
um dois três e pronto é noite
que nem a lua apareça
seja de que lado for
Uns seguraram-se logo
eram espertos bem se viu
outros cairam ao mar
com cabeça pernas e tudo
quanto a mim perdi a calma
fiquei desaparafusado
tradição cultura estilo
certeza amigos fatiota
tudo fora do seu sítio
um desaparafuso terrível
Segurem-me camaradas
sinto pernas a boiar
cheiro fantasmas enxofre
estou aqui mas posso voar
o parafuso da língua
vai partido vai saltar
agarrem-me! agarra!
pronto
pari o mais leve que o ar



Mário Cesariny
nobilíssima visão


4 comentários:

Goya disse...

Ainda que pareça algo ridículo, esta homenagem relembrou-me um texto de José Mário Branco que a páginas tantas reza assim:

“Há sempre qualquer coisa que está para acontecer,
Qualquer coisa que eu devia perceber,
Porquê não sei,
Porquê não sei,
Porquê não sei ainda!”

Até sempre, surreal espirito livre

Joaquim Oreos disse...

Procurarei ser breve, pois este facto deixou-me um pouco abalado, mesmo não tendo privado com ele tanto quanto poderia ter desejado enquanto ainda em vida, e as homenagens póstumas são as medalhas que os cobardes (lhes, nos) impõe...
Tribos existem que acreditam que quando alguém realmente importante morre, uma nova estrela nasce nos céus; acho que ele rir-se-ia deste meu pensamento!

Apetece-me citar outro Mário,

«Quando eu morrer batam em latas...»

Termino citando-o, por mais cobarde que tal possa parecer, num poema que reencontrei num livro que comprei apenas alguns dias antes da sua morte,

«O navio de espelhos
não navega, cavalga

Seu mar é a floresta
que lhe serve de nível

Ao crepúsculo espelha
Sol e lua nos flancos

Por isso o tempo gosta
de deitar-se com ele

...»

Um espírito livre nunca morre, cansa-se disto e liberta-se...

Abraços comovidamente agoniados,
J.O.

Joaquim Oreos disse...

P.S.: Quase que me esquecia... Muito bem, Caro Raiano, muito bem!
Vale sempre a pena um bom murro à cara no marasmo e na hipocrisia desta nossa sociedadezinha!...

J.O.

Goya disse...

Relembrar é sempre um bom passatempo, mesmo nos momentos póstumos e especialmente por "sítios" que tão bem conhecemos... e apesar das minhas certezas às vezes interrogo-me se passarmos para outra dimensão existencial se vamos sentir saudades... saudades de tomar um café na pastelaria habitual, saudades dos amigos, saudades das nossas ruas... penso que se o ser humano que ama não tivesse alma nada faria sentido, da mesma forma que acredito que existe um círculo de sentimento e paixão intenso que garante a eternidade... senão tudo seria inútil...
E Cesariny pelo tipo e pela cadência das imagens "virou a página". E isso é totalmente diferente da simples criatividade ou da vulgar imaginação... pois deriva essencialmente da verdadeira natureza do ser.

Cheers

P.S. - Parabéns Raiano, andas-me a dar cabo da "caximónia"